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		  | *A Funda 
 Arranquei à pele do peito,
 com os dedos ensangüentados,
 um retângulo perfeito
 de cem centímetros quadrados.
 
 Estendi-o ao sol a curtir
 a haurir uns raios que projetam
 certo incógnito elixir
 que os detectares não detectam.
 
 Depois de bem seco e rijo
 prendi-lhe, nos quatros cantos,
 quatro nervos desses tantos
 com que me franjo e me aflijo.
 
 Eis-me de funda na mão
 no mais ereto dos montes,
 devassando os horizontes
 com os pés bem presos no chão,
 as pernas em ângulo agudo
 para assentar com firmeza
 nessa dúvida de tudo
 tão certa como a certeza.
 
 Só, entre os fundibulários,
 no centro dos meus domínios,
 como o pastor dos Hermínios
 na defesa dos contrários,
 ponho na funda um poema
 de agrestes arestas vivas,
 e em rotações sucessivas
 de celeridade extrema,
 com todo o vigor do braço,
 como o vento em torvelinho,
 lanço o poema no espaço
 no seu exato caminho.
 
 António Gedeão
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